quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

“Um dia é preciso parar de sonhar e partir...”
A notícia veio como que anunciada... Por dentro ela já sabia. Era mesmo claro que a menina não cabia mais ali... Era verdadeira demais para aquilo! Intensa demais! Radical demais... E como diria sua coordenadora de ensino médio, nos tempos em que usava uniformes– combativa demais!

Não aguentava ter que abrir mão dela mesmo, por causa de lugar algum. Ainda que fosse o lugar que mais amava! Não seria fácil. Ela sabia disso. Deixar para trás as roupas velhas, todas, de uma só vez, não era tarefa simples. Mas cada pista de Deus – destino - apontavam para aquilo.
O que ela desejava ali já havia realizado... As experiências mais incríveis da sua vida vivera dentro daqueles muros amarelos – apaixonar-se, fazer amigos, ensinar... aprendera Deus ali...

Mas uma certeza ela tinha: sonhos, direitos, liberdades não têm preço. Muito menos a pequenez de um salário simplório, ou de uma estabilidade ilusória. Ela havia prometido a si mesma, que só poderia viver com amor, por amor e através dele... Era preciso paixão! E a decepção de agora, mas que as outras todas, haviam matado o fogo que ardia... haviam matado o resto do brilho.
Não matariam o projeto de uma vida inteira... A vida tinha sentido na formação da juventude. Fazer mais jovens felizes e plenos! Mas ali, a sensibilidade desaparecera em hipocrisia. Ela não era assim e por isso não podia mais viver sobre aquele sagrado (eternamente sagrado) chão.

A casa de outrora havia se transformado em prisão! Exigia dela um silêncio ditador, uma ausência desumana de erros… E ela nem havia visto as grades. Há algum tempo, o riso que ela ria, não tinha mais a mesma altura... as roupas que usava, não tinham mais nenhuma cor... Os olhos não brilhavam como antes...O coração não ardia mais... por isso, antes que se transformasse em máquina de repetir, agradecia a oportunidade de partir.

De lá, ficarão muitas saudades! Dos meninos e de seus segredos e aflições... Dos abraços despretenciosos! Dos amigos que ainda ficariam ali, mantendo acesa a chama que teimavam apagar... A casa continuaria linda, para sempre... e para sempre formaria pessoas como ela... que choram, gritam, arriscam e são muito humanas. Que vão optar sempre pela verdade e pelo amor. Que compreendem que o perdão é a maior caridade! E que só é preciso perdão quando o que se faz desumaniza! E esse não era o caso!

A menina não se importava de partir... Sabia que esse era o único caminho que fazia sentido e seu coração já gritava por isso há algum tempo! Só não queria que para trás, a história virasse ruína. Não desmereceria tudo o que vivera ali por causa disso... Ela se orgulharia sempre daquele lugar e daquelas pessoas. Das que contribuíram para que ela fosse daquela forma – mesmo que agora negassem. Porque cada coisa que ela era, fora construída ali... E ela se orgulhava de ser assim – sem nenhum medo do que isso pudesse representar. Não abrira mão de viver sem culpa a felicidade que é a própria existência. Não se envergonharia de festejar, celebrar ou se divertir.... Não deixaria de defender aquilo que é certo e direito por nenhuma imposição – ficaria ao lado daqueles que mais precisam. Foi assim que aprendera – ir até o fim- dar a vida inteira se preciso for, para que todos tenham acesso às coisas que lhes são de direito.

A decepção era grande – não podia esperar que os princípios que havia aprendido ali não deveriam ser usados em sua própria casa. Ainda a chamariam de inconsequente, talvez de ingrata. Na verdade, só acreditava que aquela casa deveria dar o exemplo. Se enganara – não por inocência, nem por teimosia – mas por princípio. E como havia aprendido ali – Não se abre mão deles por nenhum objetivo!

A menina estava ansiosa...não sabia o que viria pela frente, mas isso até dava à vida um pouco mais de sabor. Não tinha medo nenhum... sabia que se encontrava abandonada nas mãos de Deus e que por isso estaria bem!

Para ela nada que importa mudaria - o dinheiro no fim do mês, a rotina, o fim da falsidade de alguns poucos “vencedores” - nada disso importa. Importa o amor que sentia por aquela casa – e isso não mudaria. Importa a certeza de que a juventude é a única capaz de transformar – e isso não mudaria. O carinho dos meninos não mudaria. Os amigos não mudariam. A intensidade e a coragem com que escolhera levar a vida - isso também não mudaria.

Entre os sentimentos ruins... apenas um pouco de pena de tantas pessoas que preferiam a hipocrisia de lares e famílias falsas, de vidas sem sabor, de repetições eternas, de silêncios que só matam a alegria de ser livre! A que custas aquelas pessoas faziam isso com as próprias vidas? E quando não houvesse mais vida? Será que ao olhar pra trás teriam sido tão felizes quanto a menina? Ela sabia que não... E lamentava por eles! Porque os amava...

Sabia que de vez em sempre sentiria saudade dos jardins, das pessoas, dos cheiros e sons daquele lugar... mas aí, olhando pra dentro de si mesma seria capaz de encontrar as grandes lições que aprendera ali... E se orgulharia, muitíssimo, de ser filha desta casa, por ter esta história – porque foi aqui e assim que aprendera a ter coragem!

“De todo amor que eu tenho
Metade foi tu que me deu
Salvando minha alma da vida
sorrindo e fazendo meu eu

Se queres partir e ir embora
me olha da onde estiver
que eu vou te mostrar que eu tô pronta
Colha, madura do pé!

Me mostra um caminho agora
um jeito de estar sem você
o apego não quer ir embora
Diacho! Ele tem que querer!”

PS: Hoje o Charles escreveu para mim!

Nenhum comentário: