sexta-feira, 22 de junho de 2007

NERUDA

" A maior perda é a das coisas que nunca tivemos"
Mauro Mota
Há muitos anos atrás, eu recém alfabetizada, lia tudo que via pela frente. E metida a inteligente, como só eu sei ser, fazia questão de entender cada palavrinha lida! Eu devia ter uns seis-sete anos a primeira vez que ouvir falar de Neruda. Meu tio tinha um restaurante grande em Rio das Ostras e a decoração contava com umas placas de madeira com frases gravadas, exatamente como as que ainda têm alguns restaurantes da cidade. Lembro-me de cada detalhe daquele dia. Eu queria ler todas as placas. Mas uma delas, em especial, roubou a atenção. Dizia assim: “devolva-me o Neruda que você me tomou e nunca leu”. Eu não entendi. Corri ao meu tio e perguntei o que afinal era um Neruda. Ele me disse que era um autor, e que a placa fazia referência a um livro dele. Na mesma hora pensei:
- Gentinha metida, porque não escreveu: ‘devolva-me o livro que você me tomou e nunca leu?’ desnecessário!

Como os anos foram passando mais rápido do que eu poderia imaginar, aos quinze anos o tal autor voltou a fazer parte da minha história. Uma ida ao Chile me fez querer ler o tal Neruda da minha infância. Pra minha surpresa, a ida ao país me reservou um encontro um pouco mais íntimo com o tal poeta. Fiquei em Punta de Tralca e fui a Isla Negra, um pequeno vilarejo ao sul de Valparaíso que abriga o museu Casa de Pablo Neruda. O guia me deu tantos detalhes sobre ele que sai de lá encantada. Além disso o filme ‘O Carteiro e O Poeta’ estava no auge! Tudo no lugar me impressionou, a paisagem, o ar bucólico, o gosto rebuscado do poeta.

Na saída do lugar comprei um livro em miniatura: 20 Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada. Um livreto amarelo que cabia na palma da mão e que desapareceu na última mudança. Com ele entendi um pouco o porquê da placa do restaurante do meu tio falar de Neruda e não de um livro qualquer. Como alguém ousa me tomar um Neruda, não lê-lo e nem sequer devolvê-lo? E pra mim tudo tinha feito sentindo.

Mais alguns anos se passaram, dez na verdade! As lembranças da placa, da casa, do encontro com o poeta continuam vivas, mas mudou em mim a certeza daquela referência! Ao pedir de volta um Neruda, exijo de volta todo o amor dado e nunca “lido”. É como um grito de desespero. Exijo que me devolva tudo que lhe ofereci de mim, que me devolva meus versos sem palavras, minha vontade inteira oferecida, meus pedaços tomados sem pedido ou aviso ou alerta. Um roubo, um engano, um crime... Exijo de volta tudo aquilo que você me tomou e nunca leu.
"Saberás que não te amo e que te amo
posto que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem uma metade de frio.
Eu te amo para comerçar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.
Te amo e não te amo como se tivesse
em minhas mãos as chaves da fortuna
e um incerto destino desafortunado.
Meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo."
"Cem sonetos de Amor" -Neruda

2 comentários:

Lupos, Canis disse...

O.Opq q eu num tenho um neruda em casa?? e tbm num tenho O Neruda em casa??

Rômulo disse...

Inacreditável... Fantástico! Parabéns!